Aconteceu em Portugal, final do século dezenove. Passam das 23 horas quando Bartolomeu Custódio bate à porta de seu primo e é atendido pelo rapaz que, visivelmente, foi acordado pelas insistentes batidas. - Primo, preciso urgente de ti! - Fernando manda-o entrar deixando claro estar contrariado com a visita repentina em tão tardio horário. - Nem me fale Bartolomeu! São réis o que deseja. Não é? - O homem baixa a cabeça e responde num fio de voz: - Perdi mais de mil no carteado do Barão senão pagar ele ameaçou acabar com minha família. - Mil? Estás louco? Não faz um mês que paguei sua divida de quinhentos e já vens aqui pedir-me mais de mil? Onde vais parar, ou melhor, aonde vou eu parar com tantos réis que se vão ladeira abaixo? Achas que por ter tido sorte na vida tenho que carregá-lo nas costas? A ti, tua família, teu maldito vicio? - Bartolomeu ouve tudo sem levantar os olhos. - Primo, só tenho a ti para recorrer. O que será de minha mulher e meus filhos? Juro-te que nunca mais jogarei um só conto em nada! - O rapaz está descontrolado e replica aos gritos: - Já ouvi essa ladainha muitas vezes e não vou mais cair nessa conversa. Vá ao Barão e diga que não tem, não conseguiu, e ele que espere. Ainda ontem a pobre de tua mulher veio até aqui pedir-me comida. Crês nisso? Tive que dar comida a tua família. Enquanto tu espezinha-me com dívidas de jogatina. Olhe para ti! Estás em estado lamentável, além de cheirar a vinho à distância. Saia já de minha casa. - Dirige-se para a porta e a abre com violência. Bartolomeu levanta-se lentamente, de seus olhos caem lágrimas, é duro ter que ouvir tudo que está ouvindo, apesar de ser a mais pura verdade. Faz ainda uma última tentativa. - Primo, pelos teus filhos, ajuda-me! Fernando continua parado à porta apontando a rua. - Fora daqui, vagabundo! Nunca mais me apareça, porco imundo! Sem mais nada dizer o homem retira-se lentamente ouvindo o baque violento da porta atrás de si. Caminha tropegamente enquanto as lágrimas embaçam sua visão. Sabe que fez tudo errado. Sempre! Foi mulherengo, bêbado, viciado em jogos. Tem a exata noção do péssimo pai e marido que é. Seu primo tem toda a razão em humilhá-lo. Sem perceber, depois de muito caminhar, está sobre uma ponte. Talvez seja essa a única saída. Faz uma pequena prece e atira-se nas águas profundas do rio. O espírito de Bartolomeu Custódio durante anos perambulou por sendas escuras e tortuosas. Passado um longo tempo e depois de rever erros e acertos de vidas anteriores, foi amparado por mentores que o encaminharam para a labuta do resgate cármico. Hoje, trabalhador de nossos terreiros, é conhecido como o grande Exu Tiriri, elegante, educado e sempre com um profundo respeito para com seus consulentes, nem de longe lembra a triste figura apresentada neste texto. Exu Tiriri era um grande guerreiro e vencedor... Desafiou Lúcifer numa grande batalha e estava quase derrotando-o, quando Lúcifer usou de sabedoria, pois sabia que o que Exu Tiriri mais prezava era a sua esposa (nome não divulgado). Sendo assim, Lúcifer sequestrou a esposa de Tiriri o que o fez rogar ao Grande Lúcifer que lhe devolvesse a sua esposa, porém Lúcifer não devolveu e Tiriri viveu o restante de sua vida na amargura, bebendo, largado... a imagem de Tiriri em que ele está de joelhos com uma garrafa em suas mãos retrata o pedido de perdão à Lúcifer, implorando para que ele tivesse sua esposa de volta. Porém não aconteceu...
Fonte: moradadeexu.blogspot.com.br