segunda-feira, 23 de agosto de 2021

REVISTA ESPÍRITA 1865 » JANEIRO » EVOCAÇÃO DE UM SURDO-MUDO ENCARNADO O Sr. RUL MEMBRO DA SOCIEDADE DE PARIS , TRANSMITE-NOS O FATO SEGUINTE:

 REVISTA ESPÍRITA 1865 » JANEIRO » EVOCAÇÃO DE UM SURDO-MUDO ENCARNADO
O Sr. RUL MEMBRO DA SOCIEDADE DE PARIS , TRANSMITE-NOS O FATO SEGUINTE:


Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz "Revista Espírita JORNAL DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS PUBLICADA SOB DIREÇÃO DE ALLAN KARDEC Tradução por JULIO ABREU FILHO da REVUE SPIRITE JOURNAL D'ETUDES PSYCHOLOGIQUES sous Publié la direction de M. ALLAN KARDEC 1865 EDICEL"“Em 1862, eu conhecia um jovem surdo-mudo de doze a treze anos. Desejoso de fazer uma observação, perguntei aos guias protetores se não seria possível evocá-lo. Tendo tido resposta afirmativa, fiz o rapaz vir ao meu quarto e instalei-o numa poltrona, com um prato de uvas, que ele se pôs a devorar apressadamente. Por meu lado, pus-me a uma mesa, orei e fiz a evocação, como de hábito. Ao cabo de alguns instantes minha mão tremeu e escrevi: Eis-me aqui.

“Olhei para o menino. Ele estava imóvel, os olhos fechados, calmo, adormecido, com o prato sobre os joelhos. Tinha parado de comer. Dirigi-lhe as seguintes perguntas:

P. ─ Onde estás agora?

R. ─ Em vosso quarto, em vossa poltrona.

P. ─ Queres dizer por que és surdo-mudo de nascença?

R. ─ É uma expiação de meus crimes passados.

P. ─ Que crimes cometeste?

R. ─ Fui parricida.

P. ─ Podes dizer se tua mãe, a quem amas tão ternamente, não teria sido, como teu pai ou tua mãe, na existência de que falas, o objeto do crime que cometeste?

“Em vão esperei a resposta. Minha mão ficou imóvel. Levantei de novo os olhos para o menino. Ele acabara de despertar e comia as uvas com apetite. Então, tendo pedido aos guias que me explicassem o que acabava de se passar, foi-me respondido:

“Ele deu os ensinamentos que desejavas e Deus não permitiu que te desse outros.”

“Não sei como os partidários da comunicação exclusiva dos demônios nos explicariam esse fato. Para mim, tirei a conclusão de que, se Deus por vezes nos permite evocar um Espírito encarnado, permite-nos igualmente em relação aos desencarnados, quando o fazemos com espírito de caridade.”

OBSERVAÇÃO: Por nosso lado, faremos outra observação a respeito. A prova de identidade aqui resulta do sono provocado pela evocação, e da cessação da escrita no momento do despertar. Quanto ao silêncio guardado sobre a última pergunta, prova a utilidade do véu lançado sobre o passado. Com efeito, suponhamos que a mãe atual desse menino tenha sido sua vítima em outra existência, e que este tenha querido reparar seus erros pela afeição que lhe testemunha. A mãe não seria dolorosamente afetada se soubesse que seu filho foi seu assassino? Sua afeição por ele não ficaria alterada? Foi-lhe permitido revelar a causa de sua enfermidade, como assunto de instrução, a fim de nos dar uma prova a mais que as aflições daqui têm uma causa anterior, quando não está na vida presente, e que assim tudo está estabelecido segundo a justiça. Mas o resto era inútil e teria podido chegar aos ouvidos da mãe, por isso os Espíritos o despertaram, talvez no momento em que sem dúvida ele ia responder. Mais tarde explicaremos a diferença que existe entre a posição desse menino e a de Valentine, do relato precedente.

Além disso, o fato prova um ponto capital: Não é somente depois da morte que o Espírito recobra a lembrança de seu passado. Pode-se dizer que não a perde nunca, mesmo na encarnação, porque, durante o sono do corpo, quando goza de certa liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores. Ele sabe por que sofre, e que sofre justamente; a lembrança só se apaga durante a vida exterior de relação. Mas, em falta de uma lembrança precisa que lhe poderia ser penosa e prejudicar suas relações sociais, ele adquire novas forças nos instantes de emancipação da alma, se souber aproveitá-los.

Deve concluir-se do fato que todos os surdos-mudos tenham sido parricidas? Seria uma consequência absurda, porque a justiça de Deus não está circunscrita em limites absolutos, como a justiça humana.

Outros exemplos provam que essa enfermidade por vezes resulta do mau uso que o indivíduo tenha feito da faculdade da palavra. Mas o quê? perguntarão. A mesma expiação para duas faltas tão diferentes na sua gravidade, isso é justo? Mas os que assim raciocinam então ignoram que a mesma falta oferece infinitos graus de culpabilidade, e que Deus mede a responsabilidade pelas circunstâncias? Além do mais, quem sabe se esse menino, supondo seu crime sem escusas, não sofreu duro castigo no mundo dos Espíritos, e se seu arrependimento e seu desejo de reparar não reduziram a expiação terrena a uma simples enfermidade?

Admitindo, a título de hipótese, pois o ignoramos, que sua mãe atual tenha sido sua vítima, se ele não mantivesse para com ela a resolução tomada de reparar sua falta pela ternura, é certo que um castigo mais terrível o esperaria, quer no mundo dos Espíritos, quer em nova existência.

A justiça de Deus jamais falha e, por ser às vezes tardia, nada perde por esperar. Mas Deus, em sua bondade infinita, jamais condena de maneira irremissível, e sempre deixa aberta a porta do arrependimento. Se o culpado demora a aproveitá-lo, sofrerá por mais tempo. Assim, dele sempre depende abreviar os seus sofrimentos. A duração do castigo é proporcional à duração do endurecimento. É assim que a justiça de Deus se concilia com sua bondade e seu amor às criaturas.