Ela era meiga, maternal e muito dedicada.
Era Iemanjá, a Mãe dos Filhos Peixes.
Olokun prometeu a filha a Olofin em casamento.
Aí, Iemanjá se casou com ele e se foi em sua companhia, pra as terras que ficam bem distantes do Okun-nlá, isto é, do Oceano.
No dia do casamento, Olokun presenteou sua filha com um pote. Mas avisou, com uma voz de quem sabia das coisas:
– Filha, guarda bem este pote. Se algum dia, você cair num perigo grave, ou tiver uma extrema necessidade, não vacile: quebre este pote e você vai ser socorrida imediatamente. Mas se lembre bem: só em último recurso...
Com o tempo, Olofin foi-se demonstrando um marido que tinha um ciúme doentio. A vida de Iemanjá ficou resumida apenas ao palácio real. Ninguém podia lhe dirigir a palavra sem autorização expressa do marido. E quando ele saía pras guerras de conquista, a esposa tinha de ficar trancada, em completo isolamento, até que ele voltasse. Foi então que Iemanjá sentiu necessidade de se libertar daquele cativeiro.
A lembrança de seu tempo de liberdade, vivido no reino de Olokun, aumentava ainda mais a sua dor. Afinal, como é sabido, não há dor maior do que, no tempo do cativeiro, a pessoa se recordar da liberdade. Pois bem: Iemanjá começou a pensar em fugir.
Tentou algumas vezes em vão, pois parecia que Olofin adivinhava seus pensamentos. Ele descobria a tempo qualquer coisa que ela planejasse.
Um dia, Olofin voltou coberto de glória de uma de suas conquistas e ofereceu um grande banquete a centenas de convidados. Ele bebeu vinho de palma até se fartar e dormiu embriagado.
Se aproveitando disso, Iemanjá fugiu do palácio. Mas ela não conhecia os caminhos do deserto e terminou se perdendo. E quando o dia amanheceu, ela nem sequer sabia onde estava. Nesse meio tempo, Olofin acordou, tomou conhecimento da fuga de Iemanjá e saiu procurando por ela, com muitos soldados.
Desta vez, ela ia voltar como uma prisioneira.
Quando Iemanjá avistou o exército do marido se aproximando, se deu conta da tragédia que ia lhe acontecer. Aí, ela se lembrou do presente que seu pai lhe deu, no dia do casamento.
Abriu a bagagem e retirou o pote. E quando Olofim mandou os soldados amarrarem a esposa, ela palmeou o pote e arremessou no chão. E aí, se deu o encanto: de repente, o Oceano se avolumou, invadiu a Terra e o deserto virou mar. Do exército de Olofim não escapou ninguém. Nem mesmo o próprio Olofim. Todos morreram afogados. Iemanjá voltou para o Okun-nlá e passou a reinar sobre todas as águas do oceano.
Os tiranos terminam sempre se afogando nas águas turvas de sua própria tirania.
Texto:Ruy do Carmo Póvoas
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