domingo, 5 de agosto de 2018

Breve história de Vovó Benta

Negra esbelta, de sorriso sorrateiro e conquistador, de requebrado insinuante, andava pelo casarão deixando no ar o cheiro do manjericão. Cantarolando, sempre faceira, atiçava o desejo tanto dos negros quanto dos brancos. Não passou despercebida do olhar do patrão, sinhozinho cujos dotes de beleza também assanhavam aquela negrinha. E assim, depois de uma primeira vez, foi inevitável que todas as noites ele a procurasse na senzala. Não era só um desejo. Além do corpo que ardia ao vê-la, seu coração estava emaranhado por um sentimento que ele insistia em negar.
Foram anos de encontros furtivos, os quais a sinhazinha fingia não ver. E foram também muitos abortos, tendo ela desencarnado quando da realização de um deles. Haveria de renascer, muito pouco tempo depois, no mesmo lugar. Negrinha doente, que sobreviveu à morte da mãe no parto. Muito cedo aprendeu a benzer, e ali estava uma negra curandeira. Parteira requisitada, não tinha hora para atender, até o dia em que, para salvar uma escrava das mãos do feitor, levou uma paulada nas costas e ficou aleijada. Andou o resto da vida agachada, com fortes dores, mas nem por isso deixava de salvar vidas. Desencarnou cega e arqueada, porém feliz. Mas havia muito a ressarcir na contabilidade do Céu. Por isso, juntou-se às bandas de Aruanda e, como preta velha, desceu à crosta para ajudar a curar e aconselhar as pessoas. Precisou de um aparelho cujo comprometimento fosse adequado às suas energias, para que juntos pudessem aprender que é curando as feridas alheias que as nossas se cicatrizam.
Com um galho verde na mão e muito amor no coração, Vó Benta visita seu aparelhinho, baixando-lhe as costas e transferindo um pouco da dor que sentiu na carne para que este saiba que a humildade é necessária. Seu alvo avental, ao final do trabalho, está sempre cheio de nós, que ela faz para desfazer aqueles que os filhos de fé levam até ela. No final da noite, junta-se aos irmãos e volta para Aruanda, até que a próxima lua a embale novamente cantando: .

Vem chegando Vovó Benta
Benzedeira de Aruanda
Com seu galhinho de arruda
Vem benzer filho de umbanda ...



Do livro: “A missão Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhcecimento.

A bengala de Pai Antônio – II parte

Ela sabia de seus débitos e por isso compreendia que havia trocado a dor física pela dor da consciência. Em sua tela mental agora desfilavam os "trabalhos encomendados", pelos quais pagava bem caro, desde que resolvessem seus desejos mesquinhos. Era moça bonita e faceira, mas sem sorte no amor. Desejosa e cansada de tentar conseguir um casamento, já com idade avançanda, não relutou em aceitar as propostas de um homem casado que às escondidas a visitava algumas noites.
Com isso, e por estar só, passou a se excluir da sociedade, onde ambicionava um lugar de destaque, até que resolveu tirar de seu caminho quem atrapalhava sua ascensão. Foi assim que inveteradamente passou a programar a morte da esposa de seu amante. Conheceu vários lugares e pessoas que realizavam magia negra, mas nada de conseguir o resultado desejado. Inspirada por quiumbas aproveitadores, foi descendo o nível e chegou a uma velha feiticeira, que por bom preço a ensinou a realizar magia pesada com as próprias mãos, prometendo assim efeito mais rápido e eficiente. Usou os elementos e os elementares artificiais, condicionando-os ao seu mando e energia, e mesmo assim não conseguiu o desejado, pois a vítima vibrava em outro diapasão. A inveja e a raiva corroíam-lhe o ser todas as vezes que via o homem desejado freqüentando a missa aos domingos com a esposa.
- Pai Antônio sabe que a dor e o medo têm feito a filha refletir e tomar consciência de sua responsabilidade. Nenhum pecado é maior do que a força do perdão, portanto cabe a você, e só a você, desligar-se das entidades e das forças a que se aliou no passado. É preciso queimar as pontes que ficam para trás em nossa caminhada e olhar para a frente com decisão. O que não pode é reconhecer os erros e neles perseverar.
Enquanto o bondoso preto velho batia em suas costas com o galho verde, retirando de sua aura as energias mais pesadas adensadas ali, ela deixava que o choro lavasse seu espírito, chegando a soluçar. Nunca ninguém a tinha acolhido e mostrado que andava pelo caminho errado, com tanto amor e diplomacia. Estivera acostumada a terceirizar a solução de seus problemas, ou então a confessar seus pecados e receber penitências que não aliviavam sua alma aflita. Ali sentia-se protegida e com vontade de beijar os pés daquele espírito.
- Filha, humildade não pode ser confundida com humilhação. Só existe um espírito que merece toda nossa veneração: Deus, nosso Pai; de resto, somos todos navegadores do mesmo mar em busca de um porto seguro, somando erros e acertos. Vá e repense sobre seus atos e se proponha a mudá-los para que possa mudar sua energia. Sua dor foi o portão que se abriu para tirá-la da prisão.
Ao sair daquele lugar, a sensação era de tamanho alívio que parecia um pássaro liberto da gaiola. Haveria de repensar sobre tudo e compreender que o perdão é medicamento doce para dores amargas, bem como agradecer pela oportunidade Ímpar que o Senhor do Universo estava lhe concedendo. Iniciaria, a partir de então, uma busca de conhecimentos sobre o mundo espiritual, conscientizando-se de sua responsabilidade e principalmente do bom aproveitamento do tempo que ainda lhe restava no corpo físico.
Pai Antônio havia gravado seu endereço por saber que aquela ovelha retomava ao caminho e, assim que houvesse condição vibratória, ele, auxiliado por seu amigo exu, atuaria no desmanche daqueles artificiais, reequilibrando a balança cármica.
Antes de despedir-se, Pai Antônio chamou seu cambono e, entregando-lhe a bengala, falou:
- Não é a bengala que ampara nosso corpo físico que demonstra nossos aleijões. Prejudiciais sãos as bengalas forjadas por nosso orgulho, nas quais nos amparamos para manter posturas ilusórias.

- Saravá, zi fio!

- Saravá, meu Pai!



Vovó Benta

Do livro: “A missão Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhcecimento.

A bengala de Pai Antônio - Iparte

Para aquela mulher, com setenta e seis anos de idade, era quase impossível compreender a confusão em que sua vida se transformara após uma cirurgia tão simples. Tudo ocorreu da forma desejada no plano físico, porém, tanto ela quanto o médico, ignoravam que no plano astral havia se desencadeado um processo de resgate, tanto ou mais dolorido que sua perna enferma.
Acordada durante a noite por um forte estalo no quarto, visualizou ao lado da cama uma fumaça esbranquiçada que aos poucos tomou a forma de uma pessoa. Assustada, acendeu a luz, e a imagem sumiu. Seqüencialmente, outras formas foram invadindo sua casa e sendo visualizadas somente por ela, criando quadros de terror. O pós-operatório foi feito de noites de medo e insônia, em decorrência da movimentação no lado astral, totalmente aberta à sua vidência. Eram animais peçonhentos, pessoas deformadas, brincalhões que a ameaçavam, mulheres que arrastavam crianças e jovens que praticavam sexo.
O medo tomava conta de sua vida, embora estivesse bem consciente de que aquilo tudo pertencia "ao outro mundo". Por isso, não ousou contar os fatos para as sobrinhas, suas tutoras, temendo ser internada como louca.
Quando já não suportava mais o terror em que se transformara sua vida, solicitou ajuda a uma amiga que "entendia dessas coisas", médium trabalhadora de uma casa espiritualista.
Para quem nasceu e cresceu sendo norteada pela religião católica, embora vivendo de aparências e sem fé nenhuma, desdenhando sempre de qualquer outro credo, a dor havia chegado como aprendizado. Por essa razão é que o recado veio justamente por intermédio daquele médium sentado no toco de um terreiro humilde para seus padrões de exigência, acostumada que estava aos templos luxuosos. No lado material, aquela senhora comparava o congá simples, iluminado apenas por algumas velas, com os altares pomposos iluminados por castiçais banhados a ouro; as paredes toscas daquele local eram comparadas com os vitrais das catedrais; e o alguidar de barro fumegando, com a defumação usando sofisticados incensários, hoje infelizmente pouco usados nas igrejas. O cheiro bom das ervas queimadas na brasa foi alertando seus sentidos; ela já não enxergava somente o lado físico. No ambiente astral, sua vidência denunciava que à sua frente estava Um pai velho arqueado, de cabelos encaracolados e brancos, com uma bengala na mão, baforando um cachimbo tosco e cheiroso. No rosto, carregava um sorriso aberto, mostrando com ele sua alma clara que invadia o local como se disparasse raios luminosos. O quadro era alentador para aquele espírito que havia muito ansiava por um momento de
paz. Foi assim que se entregou a ouvir as sábias palavras do preto velho:
- Zin fia, zi deve di tá sem jeito pra fazê o faladô com nego véio.
Ele havia falado daquela forma justamente para atiçar sua atenção.
- Eh... eh... Não se avexe, filha, Pai Antônio, quando quer, sabe falar com destreza também. Pode ficar à vontade, o que a filha quer deste pai velho?
- Eu tenho medo de estar louca. Vejo coisas...
Enquanto a senhora contava sua história atual, Pai Antônio, espírito adestrado na magia e conhecedor do psiquismo humano, tendo estagiado por longo período em escolas da Grande Fraternidade Branca, captava na tela holográfica daquele ser a realidade não percebida pelos encarnados. Não haveria na Terra medicamento que curasse a raiva, a arrogância e o descaso com as leis divinas, bem como não conhecia na ciência física remendo capaz de consertar os rombos efetuados na tela atômica pelas explosões desses sentimentos, bem como pelo mau uso das energias. Nem no mundo astral não conhecia nenhum paliativo para curar sua dor, colheita de ações pretéritas. Só havia alguém capaz de curá-la: ela mesma. Continuando, Pai Antônio falou:
- A dor é uma reação das agressões que efetuamos em nosso espírito. Antes de recebê-la, somos alertados de várias maneiras, e ela só chega quando se esgotam os outros instrumentos. Vem como alerta, nunca como castigo, por isso é preciso entender seu recado. A revolta e a nãoaceitação de nossas falhas nos deixam fragilizados, e, com isso, intensificamos sua estada em nosso corpo carnal.
Agora brotava nela a lembrança dos momentos de extrema revolta pela dor na perna e pela limitação e vergonha que a bengala lhe imprimia. Lembrava das inúmeras vezes que, com muita raiva, havia dito que "trocaria aquela dor por qualquer coisa".
- Os pensamentos e as palavras são sons gravados no Universo e, dependendo da energia que carregam, afinam-se com os iguais que os ouvem, concretizando assim nossos desejos mais inconscientes, mesmo e inclusive os de auto-flagelo...


Do livro: “A missão Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhcecimento.

A lição de Pai Tomé – II parte

Foi preciso que eu quebrasse meu orgulho para aceitar tal ajuda, pois estou em colheita de um plantio desastroso. Em encarnação anterior, vivi como feitor de uma rica fazenda e, com maldade, cobri meu coração. Além de outras coisas, eu era um verdadeiro matador de aluguel. Cheguei ao cúmulo de fazer filho com escrava para poder vender mestiço nas feiras do porto, como "escravo especial". Hoje, tenho esta benéfica oportunidade e, mesmo encarcerado num corpo limitado, com uma mente debilóide, de cor negra, aspecto físico sem nenhum atrativo, servindo de modelo do ridículo para muita gente, estou aprendendo que tenho muito mais do que mereço.
Um dia desses, chorei muito quando Pai Tomé me fez relembrar quem ele foi naquela minha desastrosa encarnação; por momentos, senti-me muito mal, vindo a ter fortes convulsões. Não fosse o bom velho me chamar à realidade, teria desencarnado para fugir. Ele foi, naquele passado, um "mestiço especial" que eu vendi como escravo.
Não há nada mais doloroso do que a fúria de um remorso. Dores ou limitações físicas são nada para uma encarnação, diante de lembranças de nossos plantios infames. Pai Tomé, entre outras coisas, me ensina o autoperdão e muito sobre a bondade divina que nos dá um corpo físico aliado ao esquecimento. Ensina-me também que esse "esquecimento" não pode servir como desculpa para novos erros. Por isso somos levados em espírito durante o sono para verificarmos certos pontos que precisam ser revistos em nossa história. Ele me diz que nem sempre lembramos do aprendizado sonambúlico, mas que ele está registrado em nossa disposição, para uso em momentos propícios. Restam-me alguns anos ainda nesta vida, porém nem a dor nem a pobreza nem o desleixo de meus familiares são piores do que me imaginar voltando sem ter expurgado esse lixo todo que agreguei em meu corpo espiritual. Quero a renovação, e se ela me custa tanto sei que o preço fui eu mesmo que estipulei. Nada me foi imposto. Colheitas de um plantio impensado. Apenas colheitas!
Após despedir-se agradecido, o menino retornou ao seu corpo físico, que dormia no leito pobre onde nascera, deixando-nos emocionados e calados. Todos retornamos aos nossos lares pensativos, refletindo sobre o que havíamos ouvido naquela noite. Em ocasião posterior, o caso foi comentado, e alguém nos propôs que deveríamos solicitar ao Pai Tomé um atendimento apométrico para o menino, uma vez que, estando encarnado, isso possibilitaria melhora nos sintomas físicos. Com as técnicas decoradas, já deduzimos que, tratando seu corpo astral, por ser ele o modelo organizador biológico, poderíamos, quem sabe, melhorar sua aparência. No final do debate, antes do encerramento, sentimos forte cheiro de ervas, e imediatamente Pai Tomé se apresentou por intermédio de um médium e nos esclareceu:
- Pai velho admira e abraça os filhos pela boa vontade demonstrada em auxiliar meu menino. Mas posso afirmar que a tentativa seria muito proveitosa em espírito renitente na aceitação do resgate cármico a que se impôs, o que não acontece com ele. Como viram, meu menino está espiritualmente lúcido e aceitando a colheita. Seu corpo astral, por ser constituído de matéria moldável, foi plasmado em encarnação anterior por seus próprios atos insanos. Sempre é assim meus irmãos, enquanto na carne, nossos atos e pensamentos modelam a nova encarnação, além de nos conduzir no após-morte para estância de luz ou trevas. Deus não castiga ninguém, disso sois sabedores; Ele apenas nos deu o livre-arbítrio, e todas as oportunidades de escolha nos são colocadas durante uma vida. Não nos faltará assistência espiritual, e, mesmo que seja por meio da dor, o expurgo se faz necessário para drenar dos corpos espirituais os ácidos ali impregnados.
Nossos pensamentos modelam nosso futuro corpo mental, nossas emoções, o corpo astral, e, assim, quando reencarnamos, trazemos gravados em nossos átomos aquilo que precisa ser melhorado. Por isso, as dificuldades surgem para serem vencidas, e não haveria mérito se aqui estivéssemos só para sofrer, sem que isso trouxesse alguma lição, algum aprendizado. Essa drenagem ocorre por meio de nosso corpo etérico, que, intermediando o corpo físico e o corpo astral, atua como usina recicladora com o trabalho de nossos chacras, repassando para o corpo físico, que age como mata-borrão. Todas as doenças, sejam físicas ou psíquicas, nada mais são que limpeza de nosso corpo espiritual como um todo. Desse modo, aconselho os filhos desta seara que sempre respeitem as leis em qualquer atendimento ou ajuda a que forem induzidos. Procurem sempre verificar se existe interesse e vontade em receber a ajuda da apometria, seja pela pessoa necessitada, se estiver consciente, seja por parte de familiares, quando estiver incapacitado de raciocínio próprio, para que não ultrapassem a barreira do livre-arbítrio, contrariando assim as leis divinas. Sois sabedores de que apometria é manipulação energética; é portanto "magia". E magia é coisa séria, meus filhos: assim como ela nos dá o poder de provocar uma modificação na matéria, pelo poder mental, sendo regida pela Lei da Causalidade, produzirá sempre um efeito, seja imediato, seja tardio. Existem coisas no Universo de meu Deus que podem e devem ser mudadas, mas sempre respeitando a vontade e exigindo esforço próprio de cada criatura ligada ao fato.
A oportunidade de ajuda que nos faculta a apometria vem trazer alento e apressar a evolução dos homens acomodados que estão no ir-e-vir na carne e .que, embora alertados constantemente pela dor torturante, tardam em realizar as mudanças. Mas esse "poder" está sujeito e deve sempre ser colocado à luz da razão, nunca querendo realizar "milagres" que possam comprometer o trabalho laborioso do grupo, adquirindo com isso um carma coletivo. O equilíbrio e a compreensão dos limites, aliados à sabedoria e ao amor, serão os temperos que farão sempre os filhos auxiliarem sem se macular.
Mais uma vez, a lição do bom amigo espiritual, explicitada com tanta humildade e sabedoria, fez vários membros do grupo, que ainda tinham preconceito com a presença dos pretos velhos nos trabalhos apométricos, repensarem sobre isso.



Do livro: “A Missão Da Umbanda” – Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhecimento.

A lição de Pai Tomé - I parte

Nos atendimentos apométricos, muitas surpresas se reservam a nós. Enganam-se os trabalhadores que pensam ser suficiente decorar as leis da apometria e realizar o trabalho com amor. Constantemente os benfeitores espirituais nos apresentam situações diante das quais percebemos a grandiosidade dessa técnica, que, aliada ao Evangelho de Jesus, nos torna não somente instrumentos curadores, mas também magos manipuladores e transformadores de energias; situações estas que nos fazem perceber nossa pequenez diante da grandiosidade do Universo e desses comandantes que nos regem espiritualmente. Todos os dias, sob todos os aspectos, temos tudo a aprender, consolidando a realidade de que estar encarnado neste abençoado planeta-escola é uma oportunidade que não podemos desdenhar.
Naquela noite, após o atendimento normal da agenda, apresentou-se a nós um espírito pedindo oportunidade para nos contar sua história. Ele estava acompanhado por um preto velho, que já conhecíamos, pois era trabalhador da casa. Pelo cordão brilhante que saía de sua nuca, deduzimos tratar-se de um ser encarnado em desdobramento do sono, o que imediatamente suscitou dúvidas em nossa mente acostumada a tudo interrogar: "Como poderia alguém encarnado estar presente, se não havíamos solicitado pelos costumeiros 'pulsos energéticos' seu desdobramento?". Captando a dúvida, o bondoso preto velho nos assegurou que ele não estava ali para atendimento, e sim sob sua tutela para levar aprendizado. Ligado ao médium, nosso amigo iniciou sua narrativa:
Encarcerado dentro de um corpo frágil e adoentado, além da idiotia que me acomete no físico, sou uma espécie diferente aos olhos dos que passam pela rua e me vêem sentado na porta de minha casa. "Coitado! Seria melhor morrer", é comum ouvir essa frase. Ou, então, a mãe, passando com o filho ligado a ela pela mão, naturalmente manifesta: 'Meu filho, se você não obedecer, vou te entregar para aquele homem feio'. Outras vezes, mulheres grávidas evitam me olhar para que seus bebês, que foram projetados perfeitos e saudáveis, não venham a ser iguais a mim, uma bestialidade humana. Minha consciência mais profunda está recebendo e percebendo tudo isso; porém, presa dentro da cela que eu mesmo criei no passado, não pode reagir. Se sofro com isso hoje? É inevitável. Se me revolto? Não, a minha consciência sabe que é um mal necessário. Nas poucas vezes em que me é permitido "voar" para longe deste corpo, eu já tenho caminho traçado. Vou me refugiar. nos braços de Pai Tomé. Lá está ele, em sua humilde tenda, cantarolando ou assobiando, enquanto mexe em suas ervas. Negro velho mandingueiro sabe quando chego, sente minha presença e trata logo de sentar-se em seu toco, acender o pito e, com uma risada gostosa, inicia a doutrinação. Conversamos por horas a fio e saio de lá me sentindo gente, apesar de tudo. Não sei quando foi a primeira vez que o visitei. Acho que na noite em que minha mãe foi àquele centro de umbanda, desesperada, pois achou que daquela vez a convulsão iria me matar. Ele estava lá, incorporado em outra pessoa, e deu-me seu "endereço". Hoje, a cada visita que meu espírito faz ao bom negro velho, algo se modifica em meu corpo físico. Já consegui deixar de babar constantemente, melhorando assim meu aspecto. Até já sou capaz de chorar, sem fazer aquele grunhido horrível, vejam só! Tudo por conta das mandingas de Pai Tomé, que, por saber de minha verdadeira história, me auxilia com muito amor.


Do livro: “A Missão Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto - Editora do Conhecimento.

A bênção de Pai Benedito - II parte

Antes de tomarmos qualquer atitude, ouvimos forte estalido metálico, e um pequeno clarão iluminou o local, fazendo aparecer diante de nós um ser imenso para os parâmetros humanos de estatura, cujos traços da fisionomia lembravam-me alguém conhecido. No entanto, naquele momento não havia tempo para apresentações, precisávamos agir depressa, e assim foi feito.
Das mãos de nosso ajudante recém-chegado saíam pequenas chispas, espécie de descargas elétricas, que desligavam imediatamente os aparelhos ligados aos irmãos do grupo, os quais passaram a ser levados pelos guardiões para fora do local, onde um veículo nos esperava. Dessa vez, não entramos no turbilhão, ou pelo menos não o percebemos. Sentíamos apenas a sensação de alguns tremores mostrando que a região era turbulenta. Quando chegamos ao ambiente astral de nossa casa apométrica, agora auxiliando por meio da cromoterapia na recomposição energética de nossos irmãos socorridos, percebi que o ajudante grandalhão não havia voltado conosco.
Em minutos o ambiente se acalmou, e todos já se sentiam renovados pelo tratamento dado a nós pelos médicos espirituais. Após rápida higienização, assentamo-nos na sala de reuniões, onde já estavam nossos irmãos orientadores. Visivelmente satisfeitos pelo êxito do resgate, reconheci a presença forte e atuante do espírito amigo que dirigia nosso grupo de umbanda nos atendimentos apométricos e que trabalhava na vibratória de Xangô. Muitos outros espíritos, dos quais só conhecia a vibração, estavam ali presentes, mas foi aquele espírito bondoso chamado por nós de Pai Benedito, com sua vestimenta de preto velho, quem nos dirigiu as boas-vindas e as devidas explicações, satisfazendo nossa curiosidade: - Saravá aos filhos de fé! Bendito seja Deus e bendita as bandas de umbanda que nos auxiliaram neste trabalho. Negro velho não se intimida diante das forças das trevas, mas as respeita, a exemplo de todas as falanges que aqui estão. Os filhos que foram socorridos irão se refazer energeticamente até o amanhecer, assim que forem devolvidos aos corpos físicos, em sono reparador. No entanto, negro velho pede que todos se mantenham alertas, pois médium invigilante é cumbuca de boca larga para o mal. A mente desavisada e desatenta costuma ser roça preparada para o plantio de erva daninha. Os filhos que estão na lista de espera para o atendimento do grupo de apometria estão comprometidos com falanges "barra pesada", como os filhos da Terra costumam dizer. Altamente ligadas à magia negra, essas falanges não medem esforços para abater qualquer egrégora que tente se formar com a finalidade de desfazer seus intentos. Muitos médiuns trabalhadores não comparecerão ao atendimento de amanhã, pois deixarão que forças negativas os impeçam de trabalhar. Dos irmãos agendados para socorro, somente um irá comparecer, e negro velho lhes explica o porquê. Tudo, no Universo de meu Deus, age segundo a lei e a ordem, mesmo diante do caos. Os outros irmãos que ainda não receberam o alívio benéfico do atendimento apométrico estão em processo de expurgo pela dor, que ainda precisa agir por algum tempo para a conscientização de suas mentes teimosas, renitentes às mudanças que se mostram necessárias. Já estão protegidos dentro de um campo de força formado pela energia ectoplasmática do grupo e, portanto, protegidos do assédio das trevas, mas não estão isentos da drenagem por meio da dor física. Negro velho conhece essa história por experiência própria. Quando vestindo um corpo de carne se torna difícil cuidar do espírito, os dois perecem. Seguindo tudo a seu tempo, esses irmãos serão atendidos e harmonizados, cumprindo assim a tarefa de auxílio fraterno com que vosso grupo está comprometido junto às falanges da Fraternidade Branca, restando a eles a tarefa de mudança em suas vivências a partir de então, para que conservem o bem recebido.
Com um sorriso matreiro, Pai Benedito nos abençoou, estalando os dedos, de onde saíram faíscas luminosas que se intensificaram no ar, distribuindo-se sobre o grupo. Foi indescritível a sensação de paz.


Do livro: “A Missão Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto

A bênção de Pai Benedito - I parte

Estavam agendados três atendimentos no grupo de umbanda, além da apometria daquela noite. Sabíamos que o trabalho não seria limitado a três consulentes, ou simplesmente três espíritos necessitados de ajuda, pois as ligações destes se estendiam ao plano astral inferior. As noites anteriores à data foram mal-dormidas. Por esse motivo, vários trabalhadores do grupo se queixavam de extrema irritação e mal-estar. Durante o dia, houve provocações de todo tipo para lançar uma baixa vibratória, a fim de abrir infiltrações energéticas, além de uma possível obsessão. No plano astral, verdadeiros exércitos formavam frentes de trabalho para auxiliar as falanges da luz. Da mesma forma, foi intenso o trabalho das falanges das sombras para tentar impedir a ajuda.
Em cada residência dos componentes do grupo de apometria instalou-se um verdadeiro quartel de militantes da vibratória de Ogum, garantindo que durante o desdobramento do sono os médiuns estivessem protegidos das falanges trevosas que tentavam dissuadir suas mentes invigilantes, usando suas brechas cármicas. Eram artificiais de toda ordem, carregados de energia sexual, exalando odores afrodisíacos ou então disfarçados de espíritos necessitados de ajuda que se enfileiravam aguardando a saída do corpo físico. Antes disso, durante as lides do dia, éramos observados e monitorados pelos engenheiros comandantes desses artifícios maléficos, os quais provocavam situações que levavam a nos sentir extremamente carentes, tática que facilitaria a busca por energias que viessem ilusoriamente suprir esse sentimento que embaça a razão, por meio de fantasias já criadas em nossas mentes, ampliadas pela força desses magos treinados. Apesar de toda a proteção que nos é facultada pela Luz, impera sempre o livre-arbítrio, que é fomentado por nossas brechas cármicas. Assediados, muitos de nós ignoramos a presença dos benfeitores espirituais que nos guarnecem e, ao sair do corpo físico, resvalamos em nossas próprias falhas. Por várias noites foi difícil cumprir o programa traçado pelas equipes de Xangô, cuja egrégora nos dirige espiritualmente no grupo de trabalho, para que nos encontrássemos no auditório instalado no ambiente astral de nossa casa de trabalho.
Faltando apenas vinte e quatro horas para o atendimento agendado, logo no início da noite, fui acometido por forte dor à altura do ombro esquerdo. Isso acontecia sempre que me deixava abater pelo desânimo e pela irritação, quando automaticamente instalavam-se dores e enrijecimento na área superior das costas, o que me desestruturava primeiro fisicamente, depois emocionalmente. A princípio, o medo da dor e da limitação que sentiria no dia seguinte me causavam angústia, porém a lembrança dos atendimentos agendados, para o que precisaríamos estar todos em plena forma, fez-me reagir. Amparado pelos amigos espirituais, usei então toda a força existente em meu íntimo, aliada às técnicas apométricas que conhecia. Adormeci em oração, solicitando às falanges da Luz que nos socorressem, não apenas eu, mas todo o grupo. Propondo me ao trabalho fui sentindo o desdobramento acontecer em plena consciência, bem como as fortes irradiações direcionadas ao meu corpo astral, pelas equipes de amparo.
Saindo do corpo físico pelo efeito do sono, avistei o amigo Gira Mundo que me aguardava. Imediatamente adentramos um túnel energético em que percebíamos um turbilhão em meio a uma forte tempestade. Segurei forte na mão do bondoso guardião e tentei manter minha mente confiante e em oração.
Em poucos segundos nos víamos em ambiente desconhecido, espécie de nave onde nos deparamos com alguns irmãos do grupo de apometria, em desdobramento, deitados em cadeiras semelhantes às que encontramos nos consultórios dentários da crosta. Pareciam sonolentos e tinham nas cabeças capacetes ligados a aparelhos eletrônicos, cuja tela mostrava a radiografia de seus cérebros. Outros possuíam eletrodos à altura do coração, ligados a diferenciadas máquinas que monitoravam seus batimentos cardíacos. Em sala separada, podíamos avistar alguns seres estranhos, cuja forma astral não se parecia muito com a humana, trabalhando freneticamente com uma parafernália de equipamentos eletrônicos. Nossa chegada não foi percebida, pois observei que, ao redor de nosso corpo, uma camada ectoplasmática impedia que seus monitores nos detectassem.
Outros auxiliares já conhecidos chegavam agora, expulsos pelo mesmo turbilhão energético pelo qual havíamos passado, para nos auxiliar no resgate daqueles corpos astrais ali aprisionados...

 

Do livro: “A Missão Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto.

Nêga Véia e a velhice verdadeira

Suncês que vivem na carne neste mundo de terra costuma ser extremistas e classificadores.
Se um fio só pratica virtudes e apenas tem atitudes fraternas para com o próximo e com a vida suncês classifica estes zifios na categoria do bem.
Se os fios só põe em prática os seus vícios e tem atitudes egoístas para com os outro, suncês classifica estes zifios na categoria do mal.
Os zifios da categoria do bem são aqueles que suncês chama de fios bons.
Os zifios da categoria do mal são aqueles que suncês chama de maus.
Mas será que existe aqueles zifios que são somente maus?
Será que existe aqueles zifios que são somente bons?
Suncês se alembra que tá escrito lá na bíblia que o “homem grande da cruz” recusou ser classificado de homem bom? Lembra quando ele disse que bom mesmo só o pode ser considerado Zambi nosso pai?
E o mestre Jesus zifios nunca que praticou uma só atitude que pudesse classificá-lo como um homem mau, então, porque Ele não quis que o chamassem de homem bom?
Nêga Véia não sabe de muita coisa não, mas acha que é porque Ele mesmo quis se fazer de exemplo para que suncês nunca fossem extremistas e classificadores em relação ao próximo.
Nêga Véia fala que a classificação que suncês usa pra dizer quem é bom e quem é mau só serve pra que suncês saibam por onde andar com segurança neste vasto mundo de terra, entretanto zifios suncês não deve usar essa classificação com gestos e atitudes extremistas buscando segregarem-se dos homens maus como se só eles fossem doentes da alma e suncês fossem totalmente sãos de virtudes.
Se o mestre Jesus quisesse que suncês agisse desta forma Ele, quando esteve na carne, não teria passado boa parte da existência junto dos homens maus, não é verdade?
O mestre Jesus viveu entre prostitutas, doentes, malfeitores e até quando estava pregado no madeiro para morrer teve por companhia a presença de dois ladrões que também se encontravam crucificados e suncês sabem por quê?
Nêga Véia fala que é porque Jesus sempre soube que o bem e o mal sempre formou os dois lados que compõe o rosto de Zambi nosso pai, pois ninguém é capaz de alcançar as esferas do bem se não expurgar todo o mal que existe dentro de si auxiliando o próximo a também agir desta forma, assim como ninguém é capaz de trabalhar por Zambi servindo a Sua lei e Sua justiça nas trevas se não tiver em seu coração o Divino conceito do bem a lhe guiar na jornada.
Bem e mal são os dois lados da face de Deus e é por isso que Nêga Véia pede que suncês tomem muito cuidado com a classificação extremista que suncês fazem do próximo por que isto afasta suncês uns dos outros e da essência divina que existe dentro de suncês.
Nêga Véia dá um exemplo pra suncês: muitos zifios ou olham pros velhinhos deste mundo terra classificando-os enquanto sábios e humildes ou olham pra eles classificando-os como merecedores de extrema pena e compaixão por causa da saúde deles.
Estes zifios classificam os velhinhos desta forma não por conhecimento de causa, mas tão somente pelos anos de vida que estes velhinhos possuem, ou seja, por classificar a velhice em atitudes extremas.
Nem todo velhinho deste mundo de terra fica sábio e humilde apenas pelas várias décadas de existência que repousam pelos seus ombros e nem todo velhinho tem a sua saúde debilitada apenas porque os anos passaram em sua vida.
Existem muitos zifios que suncês chamam de jovens, mas que Nêga Véia fala que se encontram muito mais ranzinza e desesperançado que muito velhinho deste mundo de terra, pelo contrário também existem muitos zifios com menos de duas décadas de vida que tem uma sabedoria infinitamente superior a muitos velhinhos deste mundo de terra.
Na verdade zifios a pele enrugada, os cabelos brancos e o andar vagaroso não deve fazer com que suncês classifiquem um ser humano idoso como velho.
Velho, zifios, são as pessoas deste mundo de terra, independente da idade, que não são humildes, caridosos, abnegados, batalhadores e esperançosos. Nêga Véia fala que esses fios em especifico é que são velhos por que são essas atitudes que, com o passar do tempo, fazem com que esses filhos percam a capacidade de amar a Deus, ao próximo e, infelizmente, a si mesmos, envelhecendo, assim, as suas mentes, suas emoções e seus espíritos: estes sim são os verdadeiros velhos realmente dignos de compaixão.
Sábio é aquele zifio que desde jovem vai se preparando pra que o envelhecimento na terra não o torne um velho de espírito, pois aquele que tem o espírito jovem será eternamente jovem e terá sempre a consciência de que: a pele enrugada é a armadura de que Zambi o dotou para enfrentar a “guerra” do preconceito, os cabelos brancos formam o capacete com que Zambi o presenteou para que mantenha sempre a mente jovem e o andar vagaroso é o reflexo daqueles que aprenderam a desenvolver verdadeiramente a perfeição a tal ponto de saber que não precisam se apressar tanto para se chegar a um determinado lugar, pois sabem que tem o tempo ao seu favor e que a pressa é inimiga do tempo e da perfeição.
Procurem não ser extremistas zifios, procurem, antes, a sabedoria, a perfeição e a humildade.
Que zambi abençoe a todos suncês que tão fazendo esforço pra ler estas palavras que Nêga escreve num português tão imperfeito, que suncês perdoe a Nêga e que as palavras possam alcançar a mente e o coração de suncês para que possam buscar desenvolver a perfeição que realmente importa aos olhos de Zambi e que não é a perfeição das letras, mas sim a do desenvolvimento das virtudes!!!
Que Zambi abençoe a todos suncês que são jovens de corpo com o equilíbrio e a humildade que possam torná-los, com o passar do tempo, velhinhos na carne e jovens de espírito, ou seja, eternamente jovens!!!
Que Zambi abençoe a todos os velhinhos que se encontram nos asilos e aqueles que se encontram desamparados!!!
Que Zambi abençoe a todos os velhinhos deste mundo de terra!!!!
Fiquem na força e na luz de Zambi nosso pai!!!!!


Saravá a Deus nosso pai!!!
Saravá a Divina falange dos pretos-velhos!!!
Saravá a sabedoria e a humildade!!!
Saravá ao dia-a-dia, pois todo dia é dia do idoso!!! 



Ass: Um amigo espiritual.




Escrito sob inspiração mediúnica por Pedro Rangel Telles de Sá

A história de Indaiara

Há muitos e muitos séculos havia uma jovem de dezoito anos que vivia em uma enorme aldeia.
Era órfã de mãe e tinha sete irmãs e três irmãos, todos mais velhos que ela.
Desde a mais tenra idade aprendera com o pai a manipular a energia das ervas e, com o passar do tempo, passou a desenvolver esta atividade com maestria. Sabia utilizar a energia das ervas com qualquer finalidade: banhos, chás, ungüentos, fumos e limpeza energética.
Em termos físicos pode-se dizer que ela não era nenhuma beldade, mas sua simpatia, seus cabelos negros e sedosos, seus enormes olhos esverdeados e seu intenso magnetismo pessoal eram suficientes para torná-la uma mulher inebriante.
Mesmo, ainda, sendo tão jovem a sua fama de curandeira já havia se espalhado por longas distâncias e até mesmo membros de aldeias distantes vinham se consultar com ela.
Entretanto, apesar de seu precioso dom, Indaiara não se sentia feliz. A causa de sua infelicidade era o fato de ainda não ter encontrado o amor.
Indaiara possuía uma visão idealista do amor: em seu modo de ver o amor era algo que, uma vez encontrado, traria a felicidade eterna não importando quais situações pessoais estivesse passando em sua vida tais como fome, enfermidades, etc.
Na realidade, ela estava muito preocupada pelo fato do tempo estar passando (era comum naquelas épocas as mulheres contraírem laços matrimoniais com no máximo quinze anos) e ela ainda não ter encontrado o idealizado amor.
Ela já havia sido cortejada anteriormente e convidada a ser casar por pelo menos meia dúzia de vezes, mas como não via nestes pretendentes a figura do amor, acabara declinando de todos os convites. Suas irmãs, todas casadas, ainda procuravam conversar com ela tentando explicar o fato de que, muitas vezes, o afeto acaba vindo com o tempo, mas ela dizia que não queria afeto e sim amor.
Mas o tempo foi passando e ela já aos dezoito anos ainda não havia encontrado o amor e este fato, muitas vezes, provocava em Indaiara uma tristeza tão intensa que ela sentia vontade de dar um fim à própria vida.
O tempo correu três anos e Indaiara já não utilizava o seu dom de curar através das ervas com a mesma satisfação, alegria e prazer de antes. Não agüentando mais a sua própria frustração por ainda não ter encontrado o amor ela, aproveitando o momento das trocas de mercadorias entre sua tribo e os homens de pele branca conhecidos como cara-pálidas, acabou se infiltrando dentro de uma embarcação.
O capitão daquela embarcação ao encontrá-la ainda tentou dissuadi-la e convence-la a retornar para sua tribo, mas ela com seu jeito faceiro e sedutor conseguiu faze-lo desistir de seu intento prometendo que faria tudo que ele quisesse e se insinuando com intenções claramente sensuais.
Indaiara não sabia o porquê de ela ter agido desta forma, mas tinha o propósito firme de querer conhecer outras partes do mundo e descobrir, por conta própria, se nelas acabaria encontrando o tão idealizado amor.
Indaiara era o braço direito de seu pai e seu motivo de maior orgulho por que fôra a única de suas filhas que se interessara pelo trabalho com as ervas e é desnecessário dizer que, seja pela idade avançada ou pelo desgosto do desaparecimento dela, alguns poucos meses depois de sua fuga ele veio a desencarnar.
Inclusive, na mesma noite em que desencarnou o seu pai veio a ter com ela no momento do sono físico para dizer que não poderia alcançar a morada de seus ancestrais sem rever, ainda que fosse por pelo menos uma única vez, a sua filha querida. Indaiara, inclusive, assustou-se tão imensamente com este sonho que acabou por perder o sono pelo resto da noite.
Na realidade, este não era o único motivo de sua insônia: Indaiara ainda não sabia, mas estava grávida de cinco meses e os enjôos conseqüentes desta, principalmente no período noturno, também estavam contribuindo muito para sua insônia.
Quando estava com sete meses de gestação Indaiara encontrava-se imensamente triste por não saber o que fazer diante daquela situação, pois faltavam poucos dias para a embarcação aportar em uma terra que futuramente seria conhecida como Espanha, e ela ter a convicção plena de que não poderia ficar com a criança naquele momento por acreditar que não conseguiria lhe ofertar de forma plena um sentimento que ela mesma ainda não havia conhecido: o amor.
Conversou, então, com o pai da criança, que era o capitão do barco, e ao expor suas incertezas ele, um homem duro e frio, riu cruelmente da aflição dela e depois explicou que se ela não quisesse filhos que não deveria nem ter entrado no barco e que se ela houvesse retornado para sua aldeia, quando ele solicitou a ela que assim procedesse, ela também não estaria grávida.
Disse ainda que se ela não quisesse pagar por sua passagem para conhecer novas terras através do sexo ela também não estaria nessa situação. E somente após manifestar as suas opiniões foi que ele lhe pediu que não se preocupasse com o bebê porque este seria vendido como escravo.
Indaiara não esboçou uma reação sequer, com exceção do fato de clamar a ele que lhe permitisse deixar pelo menos uma lembrancinha para a criança a fim de que esta, de alguma forma, nunca esquecesse de sua mãe. O capitão aquiesceu ao pedido sem colocar nenhum empecilho e Indaiara ficou a pensar que presente ofertaria à sua filha.
Ao aportar no cais, o capitão da embarcação levou Indaiara grávida para casa e tornou-a cativa sua até o nascimento do bebê.
Na noite que precedeu o nascimento do bebê, Indaiara teve um sonho simbólico onde uma dama que irradiava intensamente uma claridade na cor rósea pedia que marcasse o braço direito de sua filha, como era costume em sua aldeia, com o símbolo de sua descendência.
Indaiara despertara no dia seguinte com as contrações do parto que, por sua vez, aconteceu naturalmente.
Após o nascimento da criança o capitão quis que Indaiara fosse imediatamente embora de sua residência, mas ela, de tanto implorar, conseguiu arranjar sua permanência na casa por mais alguns dias com o argumento de que seu leite seria de extrema importância para a sobrevivência da criança pelo menos nas primeiras semanas.
Um mês e meio após esta conversa, na calada da noite, Indaiara invadiu sorrateiramente o quarto do bebê e marcou o braço direito dela, ainda tão pequenino, com o símbolo de uma meia lua. Com esta atitude a criança começou a chorar intensamente e Indaiara teve que fugir daquela residência para não ser castigada ou até mesmo morta; a marca de meia-lua no braço de sua filha ficaria como um presente que o próprio capitão houvera consentido que ela lhe ofertasse.
Mas, por favor, não pensem que Indaiara sentira terrivelmente em seus sentimentos pelo fato de ter abandonado sua filha!!Indaiara, meus irmãos, queria encontrar o tão idealizado amor e, em suas idéias, somente após o acontecimento deste fato, ela teria condições de amar a sua filha ou qualquer pessoa da forma que estes realmente merecessem.
O capitão da embarcação ficou enormemente aborrecido com a marca que Indaiara deixara no bebê porque, ao contrário do que havia dito a ela na embarcação, ele não venderia o bebê como escravo; e esta mudança em sua atitude ocorrera no momento exato em que a criança veio ao mundo e ele por ela apaixonou-se perdidamente à primeira vista.
Manuela, este foi o nome que o capitão resolveu colocar em sua filha, crescia em beleza, estatura, inteligência e formosura a cada ano que se passava, entretanto uma pergunta jamais saia de sua cabeça apesar dos esforços enormes com que seu pai fazia para que isto acontecesse: quem era sua mãe?
Ao completar sete anos de idade seu pai teve que castiga-la brutalmente quando ela pedira a ele que lhe desse de presente a identidade de sua mãe. Este fato fez com que ela nunca mais perguntasse a seu pai qualquer fato relacionado à sua genitora, entretanto, ela nunca retirou esta dúvida de seu coração; aliás, esta dúvida aumentava terrivelmente a cada dia.
No dia em que completaria dezoito anos de idade Manuela teve a idéia de fugir de casa e deixar um bilhete dizendo que só retornaria ao lar se o seu pai estivesse disposto a falar sobre o paradeiro de sua mãe, pois Mercedes, a sua velha ama-de-leite, ficaria com a incumbência de observar os efeitos de sua partida na vida de seu pai e de levá-lo até ela, como se a tivesse visto casualmente, caso este resolvesse contar-lhe a verdade. 
O coração do pai de Manuela, capitão de uma embarcação e rico mercador, ficara em pedaços com seu desaparecimento, mas o que ele não imaginava era que ela estivesse tão próxima de si e vivendo no sótão de sua própria residência.
Três dias após a “fuga” de Manuela, o seu pai e nove dos dez capangas que tomavam conta de sua fazenda foram fortemente armados ao encontro dos prováveis raptores de sua filha, segundo pista que recebera.
Apenas um capanga ficou de tocaia para tomar conta da residência de seu chefe e como já passava das vinte horas Manuela resolvera descer do sótão e ir de encontro a Mercedes para tentar descobrir o que estava acontecendo. Mercedes, por sua vez, contou a ela tudo o que ocorrera e Manuela, temendo pela vida de seu pai, pela primeira vez, arrependeu-se do plano que arquitetara.
Enquanto as duas conversavam ouviram o estampido de um tiro e, assustadas, foram olhar pela cortina da sala para ver o que estava acontecendo e o que viram não foi nada agradável: os homens de Alfredo, terrível inimigo de seu pai, aproveitavam a pouca vigilância da casa e a estavam invadindo para concretizar a ameaça que este fizera ao seu genitor meses atrás de destruir-lhe a casa e violentar, para depois matar, toda sua família.
Mercedes e Manuela tentaram escapar, mas foi inútil, pois em poucos instantes elas foram capturadas, amordaçadas e colocadas em uma carruagem que tomava a direção de uma extensa floresta.
Manuela ainda fez um tremendo esforço para levantar sua cabeça e olhar para trás, mas o choque ao ver a residência onde nascera e fôra criada ardendo em chamas foi tão intenso que ela desmaiou.
Assim que despertou Manuela viu uma cena que a deixou horrorizada: todos os seus algozes, cerca de quinze homens incluindo o próprio Alfredo, revezavam-se como animais na violação do corpo de sua ama-de-leite, uma senhora de quase setenta anos. Manuela gritava e procurava agredir os seus raptores verbalmente, mas calou-se em um silêncio estarrecedor quando eles lhe disseram que não se preocupasse porque ela seria a próxima a ser “devorada”.
Lágrimas pesadas e copiosas rolavam por sua face quando ela viu Mercedes cair morta no chão e os homens ensandecidos virem em sua direção, entretanto, antes que começassem a praticar os seus atos de selvageria, os algozes de Manuela observaram um homem a galopar com toda a velocidade em sua direção; assim foi que saíram completamente nus a correrem para pegar as suas armas, mas desistiram ao verificarem que o cavaleiro em questão também fazia parte do bando.
Ofereceram, então, uma boa dose de vinho ao seu comparsa e disseram que ele chegara numa hora boa porque haviam deixado o “prato principal” para o final. Ele, assim, olhou na direção de Manuela e passou a língua vagarosa e repetidas vezes pelos lábios num claro sinal de aprovação a satisfação vindoura de seu apetite sexual desequilibrado.
Mas os seus comparsas chamaram-no de volta a realidade quando perguntaram como havia sido a armadilha.
Só foi escutar esta última palavra para Ricardo, este era o nome dele, começar a narrar toda a arapuca sangrenta: aconteceu tudo como esperávamos. O capitão, paizinho desta coisinha saborosa que está à nossa frente, e os seus homens ficaram loucos quando souberam da pista falsa, plantada por nós, de que sua filha estaria sendo mantida como refém na companhia de quatro malfeitores em uma velha casa abandonada e quando nós ficamos sabendo que hoje ele iria até lá com seus homens no intuito de resgatá-la foi muito fácil armar uma tocaia e acabar com a vida de todos no coração da floresta; e vocês, cumpriram com o combinado?
— Mas é claro, respondeu Alfredo, matamos o capanga que vigiava a residência do capitão, incendiamos toda a casa e matamos a negra maldita que vivia naquela casa como se fosse branca.
— Então vamos completar o serviço, propôs Ricardo?
Desnecessário seria dizer que todos concordaram aos urros e partiram como animais na direção de Manuela. Esta, por sua vez, ao ouvir toda a trama macabra e descobrir que, além de seu antigo lar não existir mais, não saber o paradeiro de sua mãe, ver sua ama-de-leite e melhor amiga violentada e assassinada, o seu pai também estava morto perdera, como por encanto, o interesse por sua própria vida.
Alfredo, Ricardo e todos os demais malfeitores usufruíram dos prazeres de violentar um corpo imaculado e puro, mas que também, por todos os motivos expostos, encontrava-se inerte como se fosse um boneco.
Os capangas revezavam-se em seu sexo como se fossem animais possuídos pelos mais animalescos Entes trevosos até o momento em que Manuela, sentindo uma terrível falta de ar e um aperto no coração, desmaiou como se estivesse morta.
Ao se verem diante desta situação e julgando que Manuela estava morta os capangas, terrivelmente contrariados pela interrupção em seu momento de prazer, arrastaram o seu corpo até as imediações de um precipício e o deixaram lá como banquete a fortuitos animais famintos.
Somente após tomarem estas providências foi que os malfeitores foram embora.
Por volta das quatro horas da manhã, sentindo uma terrível dor em seu sexo e sem a mínima disposição para continuar vivendo Manuela procurou levantar-se e, andando vagarosamente, devido às dores em seu corpo, jogar-se precipício abaixo.
Faltavam aproximadamente dez passos para chegar à beira do precipício quando os gritos de uma mulher chamaram sua atenção e fizeram com que olhasse para trás: era uma mulher com o corpo marcado precocemente pelas marcas do tempo e que vestia-se como se fosse uma prostituta.
Manuela, assustada, pensando que se tratava de alguma ladra deu, de costas, mais dois passos em direção ao precipício.
— Por favor, pare!! Eu não vou fazer-lhe nada de mal, disse a mulher mal-vestida.
— Como assim não vai me fazer mal? Você é uma prostituta!
— Sou uma prostituta, mas não sou malfeitora!!!!
— Até parece que existe diferença.
— Escute moça, estou vendo que você está com vestes rasgadas e ensangüentadas; penso que você deve ter acabado de passar por uma situação terrível e que por isso é que deve estar emocionalmente tão abalada. Estou certa?
— Sim, você está certa. Vários homens defloraram meu corpo e minha honra como se fossem animais.
— Eu, como ninguém, posso precisar o tamanho de sua dor, mas creia-me: isto não é motivo para você tirar sua própria vida.
— Concordo com você.
— Mas tenho a impressão que você estava a caminhar para a beira do precipício com intenção de se jogar daqui de cima.
— Eu realmente quero fazer isso que você disse, mas não porque me violentaram e sim porque acabaram com todo o meu amor! Eu não tenho mais motivos para viver!
— Como assim acabaram com todo o seu amor?
— Os mesmos animais que me violentaram também destruíram o meu lar, violentaram e mataram minha melhor amiga e assassinaram o meu pai depois que lhe armaram uma armadilha. Diga senhora prostituta, e Manuela dissera essa frase em tom irônico, como poderia querer viver se não tenho ninguém mais para amar, se não tenho mais amor?
— Moça, acredite quando eu lhe digo que não sei onde está o amor, mas que sei que certas atitudes que tomamos na vida muitas vezes podem eliminar toda e qualquer possibilidade de o encontrarmos um dia.
Manuela notou que a mulher a sua frente, apesar de ser de vida fácil, tinha uma estranha sabedoria e, somente por causa desta sua observação, foi que resolveu lhe perguntar:
— Porque você está me dizendo isto?
— Porque há quase vinte anos acho que tive o amor bem próximo a mim, entretanto por não conseguir enxerga-lo, não lutei com todas as minhas forças para que não o levassem de mim.
— Você está falando de quem? Um amante?
— Não. Estou falando de minha filhinha.
E, dizendo esta frase, a prostituta desandou a chorar. Chorava com um pranto tão profundo e sentido que Manuela resolveu dela se aproximar.
— Mas o que foi que houve com sua filhinha que seja assim tão irreversível? Você não quer me contar?
A prostituta olhou, então, firme nos olhos de Manuela para só depois responder:
— Só se você sair de vez de perto deste precipício!
— Combinado.
Somente após encontrarem um tronco de árvore caído ao chão para se assentarem foi que a prostituta retomou o diálogo:
— Antes de lhe contar um pedaço de minha história, você poderia me dizer o seu nome?
— Manuela.
— Pois bem Manuela, minha história é a seguinte:
Há quase duas décadas, eu havia acabado de fugir da casa onde fui recebida neste país com o intuito de procurar o verdadeiro amor. Assim é que exatamente nesta época você poderia me encontrar andando perdida pelas feiras em busca de qualquer alimento que pudesse saciar a minha fome.
— Mas e sua filha? Onde ela entra nesta sua história? Não estou entendendo!
— Acalme-se Manuela, minha história começa exatamente no ponto em que eu havia acabado de perder a minha filha.
— Perder sua filha? Porque isto aconteceu?
— Porque eu havia acabado de chegar neste país e não podia fugir com ela nos braços sem ter como nos manter.
— Mas você disse que se arrepende, que seu amor é sua filhinha.
— Eu me arrependo hoje porque a vida ensina muita coisa, mas não me arrependi há quase vinte anos.
— Por favor, prossiga! Creio que estou interrompendo sua narrativa!
A prostituta deixou transparecer o esboço de um sorriso em sua face e depois continuou a sua história:
Então Manuela como eu estava lhe dizendo, há vinte anos eu havia acabado de chegar neste país e acabara de abandonar a minha filha.
Estava morrendo de fome e aproveitei que era dia de feira para ver se conseguia algum alimento. O tempo passava, a minha fome só aumentava e eu nada de conseguir um alimento, até que em uma barraca que vendia queijos e biscoitos caseiros eu percebi que um homem não parava de cobiçar o meu corpo.
Procurei me aproveitar da situação e lhe pedi um pouco de biscoitos ao que ele me respondeu que naquele dia iria me dar alguns biscoitos, mas que se algum outro dia eu quisesse mais alguns eu deveria pagar por eles.
Respondi então ao Carlos, este era o nome dele, que não tinha emprego e ele pediu que às oito horas da noite, em ponto, eu estivesse dentro da taverna, de propriedade dele, no centro daquela cidade e fosse conversar com ele.
Assim eu fiz e posso dizer que não me assustei quando ele me fez a proposta de ser prostituta em troca de um bom trocado. Eu sabia que faria muito sucesso entre os homens por ser estrangeira e, naturalmente, ter um biótipo bem diferente das mulheres deste país.
Posso dizer que realmente estava com a razão porque os homens faziam fila para ter alguns momentos comigo. Era com esse dinheiro que eu pagava alimentação, roupas e o aluguel de onde morava que, por sua vez, era a taberna onde eu tinha os meus encontros.
A vida até que financeiramente não estava tão ruim para mim, acontece que pelo lado emocional eu não poderia responder a mesma coisa, pois havia saído de minha terra em busca do amor e, apesar de já estar vivendo neste país há dez anos, ainda não o havia encontrado.
O tempo foi passando e eu fiquei com uma saudade terrível de minha terra; foi quando eu resolvi começar a juntar dinheiro para futuramente comprar passagem numa embarcação que me levasse de volta a ela.
Posso dizer até mesmo que neste meu trabalho como prostituta eu tive uma relativa dose de sorte porque nunca apanhei ou fui maltratada por cliente algum. Mais de uma dúzia deles, inclusive, pediram que largasse essa vida para ir viver com eles, entretanto como eu não tinha planos de continuar vivendo neste país, declinava dos convites.
Juntei dinheiro por cinco anos e já estava me preparando para comprar a passagem de volta para minha terra natal quando numa noite o bandido do Carlos ao escutar os meus planos, com medo de perder a clientela devido ao grande número de tavernas concorrentes que foram abrindo as portas ao longo dos anos, chamou as autoridades competentes até a sua taverna e acusou-me formalmente de roubo dizendo que todo o dinheiro que eu juntara ao longo de cinco anos dentro de uma mala atrás do guarda-roupa era dele e que eu estava pretendendo fugir do país com todo aquele dinheiro.
As autoridades, obviamente, não iriam dar crédito a uma estrangeira e eu, infelizmente, fiquei sem meu dinheiro e presa por três anos até a noite de hoje.
Também posso dizer que a vida de presidiária não foi de todo tão mal assim, pois foi lá dentro que eu pude reencontrar dentro de mim uma parte que parecia perdida e recomeçar o meu trabalho com ervas.
Preparava banhos, chás, e ungüentos tão eficientes que muitas vezes até as próprias autoridades vinham me procurar em busca de socorro junto às ervas da natureza.
Manuela escutara toda a história da prostituta com muita atenção até que, não agüentando mais de curiosidade resolveu perguntar:
— Você é estrangeira e foi acusada pelas autoridades por roubo e tentativa de fuga, o que você fez para pegar uma pena de somente três anos?
— A minha pena não era de três anos.....
— ....mas então você fugiu!
— Não! Eu fui libertada.
— Como assim?
— Você me permite terminar a história?
— Prossiga, porque eu não estou conseguindo entender!
— Então me permita continuar:
Apesar de estar me sentindo útil na prisão, nada conseguia diminuir a minha decepção por ainda não haver encontrado o amor. Na verdade, eu havia desistido dele e de três meses para cá estava sentindo uma saudade profunda de minha filha. Nas últimas três semanas, por exemplo, eu sonhava praticamente todos os dias com minha filhinha ainda bebezinho sendo segura pelos meus braços e ninada por canções antigas de minha terra natal.
— Por quanto tempo você ficou com sua filha?
— Quarenta e cinco dias.
— E como são essas canções de sua terra?
A prostituta, mesmo sem entender o pedido de Manuela, começou a entoar uma canção que ela mais gostava de cantar para sua filha e, ao chegar ao seu término, buscou o olhar de Manuela e pôde observar que estava banhado em lágrimas, fez-lhe, assim, uma pergunta:
— Porque você chora Manuela?
— Porque esta canção, estranhamente, despertou em mim emoções que eu parecia não sentir a muito tempo. Você me desculpe pela infantilidade e, por favor, prossiga com sua história.
— A emoção equilibrada manifesta na forma de lágrimas não é sinal de infantilidade, mas sim de maturidade. Já no que diz respeito a minha história não se preocupe que ela já está quase no seu fim:
Sonhei tantas vezes com minha filha nesses últimos dias que, sei lá porque, comecei a ver estes sonhos como um sinal de que o amor que eu tanto procurei poderia estar na figura de minha filhinha.
Não conseguia retirar estes pensamentos de minhas idéias até que esta noite, há algumas horas, eu pus-me de joelhos ao chão e clamei ao Divino Criador que me perdoasse pela fraqueza de ter deixado a minha filha escapar de mim e que me permitisse, nem que fosse pela última vez, ao menos vê-la de longe fosse ela escrava em qualquer canto deste vasto mundo. Na verdade, Manuela, naquele momento de oração eu me comprometi com o Divino Criador a encontrá-la onde quer que esteja.
— Mas a sua filha era escrava?
— Até quando eu pude tê-la ao alcance de meus olhos ela não era escrava, entretanto o pai dela me disse que era só uma questão de tempo até ganhar um bom dinheiro com ela no mercado de escravos.
— E o que aconteceu quando você terminou sua prece na prisão?
— Alguém que eu não via há muito tempo reapareceu para mim.
— Quem? A sua filha?
— Não. Uma dama que irradiava intensamente uma claridade na cor rósea.
— Quem?
— Não sei bem ao certo, mas eu acho que deve ser alguma enviada de uma Divindade que cultivamos em nossa terra natal.
— Divindade?
— Sim. A Divina Deusa das Cachoeiras.
— Tudo bem, mas o que aconteceu depois que ela apareceu?
— As portas da cela onde eu estava detida inexplicavelmente se abriram, os dois guardas que deveriam vigiá-la estavam dormindo e eu sai da cela e vim caminhando até aqui onde acabei por te encontrar.
— Mas e sua filha? Você fez uma prece a Deus se comprometendo a encontrá-la onde quer que estivesse, você não acha isso uma grande loucura?
— Não. Apenas penso que se fosse loucura a enviada da Divindade que eu cultuo não teria me libertado da prisão.
— Nisto você até tem razão, mas como você fará para encontrá-la?
— Não tenho a mínima idéia, mas Deus irá me guiar.
— Mas e esta Divindade que você cultua? Ela existe mesmo? Você a viu de verdade?
— Claro! Inclusive tem até uma parte de minha história que eu esqueci de lhe contar que é a seguinte: na noite que precedeu o nascimento de minha filha eu tive um sonho simbólico onde esta mesma dama que irradia intensamente uma claridade na cor rosa me pedia que marcasse o braço direito de minha filha, como era costume em minha aldeia, com o símbolo de minha descendência.
— E você, o que fez?
— Fiz o que a Divindade determinara a mim.
— O que? Você marcou a sua própria filha?
— Sim, mas foi com um símbolo pequenino e......
Manuela recusou-se a continuar ouvindo aquela história que não lhe parecia ter nem pé e nem cabeça e levantou-se do tronco onde estava sentada, entretanto, ao se levantar, deixou a mostra parte de seu braço direito que a lua cheia iluminou com tanta claridade que a prostituta não teve como refrear um grito de emoção e passou a tremer as mãos e a boca com uma emoção tão intensa que mal conseguia balbuciar corretamente as palavras:
— M-a-n- uela.... é v-ocê!!!!
— O que?
Procurando fazer um enorme esforço para conter a emoção, a prostituta também se levantou do tronco onde estava assentada e, procurando mostrar o braço direito na altura dos cotovelos, de um só fôlego disse à Manuela:
— Veja esta marca em meu braço!
Manuela olhou atenciosamente e também começou a tremer com emoção incontida ao perceber que aquela marca era idêntica a sua.
A prostituta, então, percebendo os efeitos de seu gesto na emoção de Manuela, procurou retomar o diálogo:
— Manuela, o meu nome é Indaiara e eu sou a sua mãe.
E, ao ouvir esta confissão, Manuela percebeu que ainda havia pelos menos mais um motivo para viver porque ainda havia mais uma pessoa para amar e, num frenesi emocional incontido correu de braços abertos ao encontro de Indaiara a lhe dizer:
— Mamãe! Mamãe! Minha Mãe, eu te amo!!!
— Eu também te amo minha filha, me perdoe!!!!
— Não há nada a perdoar minha mãe, nada!!!!
Após alguns minutos de intensa emotividade Manuela foi utilizando a sua extrema capacidade de raciocínio e disse a Indaiara:
— Mãe, meu Deus como é bom conhece-la finalmente!!!
— Também tenho esta mesma sensação minha filha, mas agora procure serenar as emoções e me diga tudo o que tenha para me dizer!
— Tudo bem! É o seguinte: temos que sair do país o mais rápido possível: você para não ser recapturada pelas autoridades e eu para não ser encontrada pelos homens que me violentaram.
— É verdade, mas como faremos isto?
— Sei onde meu pai guardava algumas barras de ouro e sei que apenas uma delas é plenamente suficiente para voltarmos para sua terra natal.
— Mas você faria isso? Abandonaria toda sua cultura e civilização para ir viver comigo?
— Claro! É como lhe disse mãe, nada mais me prende nesta terra onde, como já disse anteriormente, corro até mesmo risco de vida. Para falar a verdade, minha mãe, Deus e esta Divindade das Cachoeiras devem mesmo fazer questão que fiquemos juntas!
— Por que você diz isto?
— Você porque ao meu lado estará sempre próxima de parte deste amor que tanto procurou na vida e eu porque ao seu lado terei sempre um motivo a mais para viver.
— Que coisa mais linda Manuela!!!!
E as duas continuaram conversando e matando a saudade durante os sete meses que durou a viagem de volta à terra natal de Indaiara.
Assim que retornaram de volta a aldeia alguns de seus irmãos e irmãs não as receberam com bons olhos devido ao desgosto e tristeza tão intensos que ela provocara em seu pai com sua partida repentina causando, na interpretação destes, a morte dele.
Mas não há feridas que o tempo não cicatrize e é assim que vamos ver doze anos após o retorno de Indaiara, juntamente com a filha, para sua terra natal, a convivência plenamente harmoniosa entre todos os membros da aldeia.
Indaiara ensinara a Manuela todos os segredos no trato com as ervas e ela aprendera com tanto afinco que se tornou a sucessora natural de sua mãe na aldeia.
E é assim que vamos encontrar, cinco anos após todos estes eventos, Indaiara cozinhando o almoço ao mesmo tempo em que lágrimas gotejavam de seus olhos.
É importante que se diga que eram lágrimas provenientes da mais pura alegria por finalmente ter encontrado o amor na figura representativa de sua filha Manuela.
E foi no exato instante em que pensava desta forma que Indaiara viu mais uma vez a figura da enviada da Divindade das cachoeiras. Ela estava a lhe dizer que seus pensamentos estavam equivocados e que o verdadeiro amor, na realidade, estava dentro de um rio que distava dois quilômetros de onde ela estava.
Com intensa curiosidade, Indaiara caminhou a passos céleres em direção ao rio indicado. Quando se aproximou das margens do rio a enviada da Divindade das cachoeiras apareceu aos olhos de Indaiara pela última vez naquela sua encarnação e lhe disse:
— Olhe para dentro do rio e veja o amor que você tanto buscou em sua vida!
Indaiara olhou, olhou e olhou, mas a única coisa que via no rio era o reflexo de sua própria imagem.
Passado alguns instantes a enviada da Deusa das cachoeiras perguntou a Indaiara:
— E então, o que você viu?
— Sinceramente, eu só vi o reflexo de minha própria imagem.
— Então você realmente encontrou o amor!
— Como é?
— Isto mesmo que você acabou de ouvir: você acabou de encontrar aquilo que foi tão longe buscar, mas que estava aqui mesmo e onde quer que você fosse!
— Ainda não entendi.
— Você viu a sua imagem refletida na água e eu lhe disse que ela representa a resposta na sua busca pelo amor porque, na realidade, o amor está dentro de você mesmo.
— Que amor?
— O amor Divino ou você não sabia que todo ser humano é um templo vivo de Deus?
— Não, eu não sabia!
— Então nunca se esqueça de que qualquer ser humano, se não procurar descobrir e desenvolver a essência do amor Divino que carrega dentro de si, jamais virá a encontrá-lo exteriormente.
— Concordo certamente com a senhora, mas eu descobri o amor que tanto procurava na figura de minha filha.
— Engano seu, você só descobriu este amor por sua filha quando procurou encontrar a essência do amor Divino que habita dentro de ti através da realização diária de preces e do desenvolvimento da habilidade de praticar a caridade por meio do uso de ervas. Estou falando alguma mentira? 
— Não. Então quer dizer que a minha Manuela não representa para mim a figura do amor?
— Não. Sua filha certamente representa para você a figura do amor, mas você só conseguiu encontrar o amor através desta representação quando buscou desenvolver o amor Divino através da caridade, está entendendo?
— Sim. Agora tudo clareou.
— Busque primeiramente a Deus e as virtudes que desenvolvem o amor Divino, pois somente assim outras coisas vos poderão ser agregadas, como por exemplo, o amor na forma de um filho, um homem, uma profissão, etc. Entendido?
— Sim senhora.
Dizem que Indaiara ficou extremamente feliz com a descoberta do local onde se encontra o amor: dentro de seu coração!!!
Indaiara também descobriu que, como desconfiara, a dama de coloração rósea era, de fato, uma enviada posicionada à direita da Divina Deusa das Cachoeiras.
Atualmente Indaiara também está a servir esta Divindade, à esquerda, como Senhora Pomba-gira Indaiara, sim, uma pomba-gira ligada à Deusa das Cachoeiras, mas atuando sob a irradiação da Deusa do Mar Sagrado, ou seja, uma pomba-gira cuja uma das atribuições é estimular a geração de sentimentos amorosos que, se vivenciados, podem aproximar os seres de suas essências Divinas e de Deus, o que significa dizer, uma Pomba-gira da Vida.
Manuela, atualmente, também serve a Divindade das Cachoeiras só que pela direita, trabalhando como uma preta-velha que não devo revelar o nome, mas que posso dizer que é um fato bastante conhecido um de seus pontos cantados revelar que ela “tem o segredo da lua”.
Quanto a mim, que estou a lhes narrar esta história, pouco importa a revelação de meu nome. Só o que posso e devo revelar é o fato de que, se você se encontra perdida e desesperada, querendo encontrar um amor, clame por nosso auxílio, pela ajuda das guardiãs do amor fatoradas à vida porque, de acordo com seus merecimentos, poderemos estimulá-la a encontrar o verdadeiro amor, que é o amor pelas obras e virtudes que possam levá-las na direção Daquele que é dono e criador de todo o amor: O Divino Pai Olorum!
Somente por meio da vivência e prática deste Seu amor é que vocês poderão ter a possibilidade de verem agregados aos seus merecimentos outros tipos de amores e desfrutarem deles com plenitude.
Que Ele os abençoe e possa agregar em suas vidas, além do amor, divinos sentimentos que também podem levá-las até ele: justiça, lei, conhecimento, fé, evolução e vida.



Saravá ao amor que habita o íntimo de toda mulher!!!!!!
Saravá à essência feminina que existe dentro de cada homem!!!!!!
Saravá à energia do amor!!!!!!
Saravá à todas as pomba-giras!!!!!!
Saravá à todas as pomba-giras do Amor e da Vida!!!!!!!!!