Foi preciso que eu quebrasse meu orgulho para aceitar tal ajuda, pois estou em colheita de um plantio desastroso. Em encarnação anterior, vivi como feitor de uma rica fazenda e, com maldade, cobri meu coração. Além de outras coisas, eu era um verdadeiro matador de aluguel. Cheguei ao cúmulo de fazer filho com escrava para poder vender mestiço nas feiras do porto, como "escravo especial". Hoje, tenho esta benéfica oportunidade e, mesmo encarcerado num corpo limitado, com uma mente debilóide, de cor negra, aspecto físico sem nenhum atrativo, servindo de modelo do ridículo para muita gente, estou aprendendo que tenho muito mais do que mereço.
Um dia desses, chorei muito quando Pai Tomé me fez relembrar quem ele foi naquela minha desastrosa encarnação; por momentos, senti-me muito mal, vindo a ter fortes convulsões. Não fosse o bom velho me chamar à realidade, teria desencarnado para fugir. Ele foi, naquele passado, um "mestiço especial" que eu vendi como escravo.
Não há nada mais doloroso do que a fúria de um remorso. Dores ou limitações físicas são nada para uma encarnação, diante de lembranças de nossos plantios infames. Pai Tomé, entre outras coisas, me ensina o autoperdão e muito sobre a bondade divina que nos dá um corpo físico aliado ao esquecimento. Ensina-me também que esse "esquecimento" não pode servir como desculpa para novos erros. Por isso somos levados em espírito durante o sono para verificarmos certos pontos que precisam ser revistos em nossa história. Ele me diz que nem sempre lembramos do aprendizado sonambúlico, mas que ele está registrado em nossa disposição, para uso em momentos propícios. Restam-me alguns anos ainda nesta vida, porém nem a dor nem a pobreza nem o desleixo de meus familiares são piores do que me imaginar voltando sem ter expurgado esse lixo todo que agreguei em meu corpo espiritual. Quero a renovação, e se ela me custa tanto sei que o preço fui eu mesmo que estipulei. Nada me foi imposto. Colheitas de um plantio impensado. Apenas colheitas!
Após despedir-se agradecido, o menino retornou ao seu corpo físico, que dormia no leito pobre onde nascera, deixando-nos emocionados e calados. Todos retornamos aos nossos lares pensativos, refletindo sobre o que havíamos ouvido naquela noite. Em ocasião posterior, o caso foi comentado, e alguém nos propôs que deveríamos solicitar ao Pai Tomé um atendimento apométrico para o menino, uma vez que, estando encarnado, isso possibilitaria melhora nos sintomas físicos. Com as técnicas decoradas, já deduzimos que, tratando seu corpo astral, por ser ele o modelo organizador biológico, poderíamos, quem sabe, melhorar sua aparência. No final do debate, antes do encerramento, sentimos forte cheiro de ervas, e imediatamente Pai Tomé se apresentou por intermédio de um médium e nos esclareceu:
- Pai velho admira e abraça os filhos pela boa vontade demonstrada em auxiliar meu menino. Mas posso afirmar que a tentativa seria muito proveitosa em espírito renitente na aceitação do resgate cármico a que se impôs, o que não acontece com ele. Como viram, meu menino está espiritualmente lúcido e aceitando a colheita. Seu corpo astral, por ser constituído de matéria moldável, foi plasmado em encarnação anterior por seus próprios atos insanos. Sempre é assim meus irmãos, enquanto na carne, nossos atos e pensamentos modelam a nova encarnação, além de nos conduzir no após-morte para estância de luz ou trevas. Deus não castiga ninguém, disso sois sabedores; Ele apenas nos deu o livre-arbítrio, e todas as oportunidades de escolha nos são colocadas durante uma vida. Não nos faltará assistência espiritual, e, mesmo que seja por meio da dor, o expurgo se faz necessário para drenar dos corpos espirituais os ácidos ali impregnados.
Nossos pensamentos modelam nosso futuro corpo mental, nossas emoções, o corpo astral, e, assim, quando reencarnamos, trazemos gravados em nossos átomos aquilo que precisa ser melhorado. Por isso, as dificuldades surgem para serem vencidas, e não haveria mérito se aqui estivéssemos só para sofrer, sem que isso trouxesse alguma lição, algum aprendizado. Essa drenagem ocorre por meio de nosso corpo etérico, que, intermediando o corpo físico e o corpo astral, atua como usina recicladora com o trabalho de nossos chacras, repassando para o corpo físico, que age como mata-borrão. Todas as doenças, sejam físicas ou psíquicas, nada mais são que limpeza de nosso corpo espiritual como um todo. Desse modo, aconselho os filhos desta seara que sempre respeitem as leis em qualquer atendimento ou ajuda a que forem induzidos. Procurem sempre verificar se existe interesse e vontade em receber a ajuda da apometria, seja pela pessoa necessitada, se estiver consciente, seja por parte de familiares, quando estiver incapacitado de raciocínio próprio, para que não ultrapassem a barreira do livre-arbítrio, contrariando assim as leis divinas. Sois sabedores de que apometria é manipulação energética; é portanto "magia". E magia é coisa séria, meus filhos: assim como ela nos dá o poder de provocar uma modificação na matéria, pelo poder mental, sendo regida pela Lei da Causalidade, produzirá sempre um efeito, seja imediato, seja tardio. Existem coisas no Universo de meu Deus que podem e devem ser mudadas, mas sempre respeitando a vontade e exigindo esforço próprio de cada criatura ligada ao fato.
A oportunidade de ajuda que nos faculta a apometria vem trazer alento e apressar a evolução dos homens acomodados que estão no ir-e-vir na carne e .que, embora alertados constantemente pela dor torturante, tardam em realizar as mudanças. Mas esse "poder" está sujeito e deve sempre ser colocado à luz da razão, nunca querendo realizar "milagres" que possam comprometer o trabalho laborioso do grupo, adquirindo com isso um carma coletivo. O equilíbrio e a compreensão dos limites, aliados à sabedoria e ao amor, serão os temperos que farão sempre os filhos auxiliarem sem se macular.
Mais uma vez, a lição do bom amigo espiritual, explicitada com tanta humildade e sabedoria, fez vários membros do grupo, que ainda tinham preconceito com a presença dos pretos velhos nos trabalhos apométricos, repensarem sobre isso.
Do livro: “A Missão Da Umbanda” – Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhecimento.